O Retrato de Ricardina - Cap. 10: CAPÍTULO X - A SORTE Pág. 60 / 178

O corregedor gritou pelo meirinho geral e deu voz de preso ao abade. Cercou-o possante quadrilha de águazis, que o levou às boas para a cadeia. A favor do padre saíram incontinente o bispo D. Alexandre Lobo, à frente dos fidalgos da sua cor política. Manteve-se o magistrado integerrimamente, instaurando processo ao petulante ameaçador dos homens constituídos no sacerdócio da justiça.

Em 22 de Fevereiro ainda estava preso o abade de Espinho, à espera, desde o fim do mês anterior, que o citassem para julgamento. Era um tigre em jaula, remetendo sanhudo às grades, e revolvendo-se no leito da insónia, ou recruzando a saltos o estreito pavimento do seu recinto.

- Eu hei de sair de aqui um dia! - rugia ele aos seus visitantes. - Hei de nadar em sangue!

No dia 24, chegou a notícia a Viseu do desembarque do regente D. Miguel, logo aclamado rei absoluto. Sabido isto, ordenou o abade que lhe abrissem as portas da cadeia. O carcereiro não reconheceu a legitimidade da ordem. Neste no meio o previsto corregedor ia entrouxando para o caso urgente da fuga.

No dia 30, chegou a nova de ter sido formado novo ministério, em que entrou o bispo D. Alexandre, protetor do abade. Divulgada a noticia, o corregedor sumiu-se, e o padre Leonardo cobrou a liberdade. Para Coimbra é que o ódio lhe atirava as esporadas mais penetrantes. Recorreu às novas autoridades, requerendo a captura de Bernardo Moniz. O vice-reitor Pinheiro, figadal inimigo dos liberais, lançou espias ao académico e não logrou mínima prova ou sequer indício. O abade insistia, e as autoridades recusavam-se à perseguição, talvez temerosas dos congressos demagogos de alguns centenares de académicos. Este medo condizia com um assalto de embuçados que cercaram o abade, por noite, debaixo das torres da Sé Velha, e lhe fizeram lampejar perto dos olhos as lâminas dos punhais, intimando-o a sair de Coimbra.





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