Inferno - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 20 / 102

Podes ver aqui, meu filho, a curta duração dos bens confiados à fortuna, pelos quais os humanos tanto se arrepelam; e que o ouro todo que existe sob o céu ou que existiu não poderia dar a paz a uma só destas almas fatigadas.»

«Mestre», disse-lhe eu, «diz-me também: que fortuna é essa de que falas, que entre os seus braços tem os bens do mundo?» E ele tornou: «Oh, néscios criaturas! Quanta ignorância a que vos cega! Quero que bem te compenetres do que digo. Aquele cujo saber tudo transcende fez os Céus e deu-lhes um guia, de modo que de um a outro extremo resplandece, igualmente repartindo a sua luz; da mesma maneira para os esplendores humanos designou um chefe e administrador-geral, que de tempos a tempos os bens vãos duma para outra nação transferisse, como de uma família para outra, a coberto do alcance da indústria humana, que faz que uma nação impere enquanto outra languesce, consoante a vontade da que está oculta como na erva a serpentes. O vosso saber não pode contestá-la, pois ela prevê, julga e prossegue o seu reinado, como os demais deuses o seu. As suas mudanças não conhecem trégua; necessidade a leva a ser veloz, tantos são os que de situação mudam. Esta é aquela que tanto injuriam esses mesmos que louvá-la deveriam, sem razão a difamando e maldizendo. Mas ela é feliz e nada atende. Contente entre as primeiras criaturas, segue a sua roda e rejubila na felicidade. Desçamos agora aonde há mais sofrimento, que já declinam todas as estrelas que quando sumos se erguiam e nos é vedado determo-nos muito.»

Atravessámos o circulo, passando à outra margem, junto a uma fonte que ferve e se derrama por uma vala que dela mesma nasce. A água era mais negra do que azul e nós, em companhia das ondas tenebrosas, penetrámos num caminho diferente. O negro riacho desagua num pântano que se chama Estige, após descer as ladeiras cinzentas odiosas. E eu, que atentamente olhava, vi pessoas de lodo recobertas naquele atoleiro, todas nuas e de cariz raivoso. Umas nas outras batiam, não com as mãos, mas sim com a cabeça, o peito e com os pés, destroçando-se à dentada.





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