Inferno - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 22 / 102

Em seguimento direi que, muito antes de atingirmos a alta torre, ao seu cimo se ergueu o nosso olhar, atraído por dois pequenas lumes que ali vimos pôr e outro que de tão longe lhe dava resposta que a custo o podíamos divisar. Voltei-me então para o mestre de todo o saber e disse: «Que significa isto? E que responde aquela outra luz? E quem faz tais sinais?» Respon deu ele: «Por sobre as imundas ondas podes já descobrir o que se espera, desde que o vapor do charco não to dissimule.»

Não houve nunca arco que disparasse seta que tão lesta o ar cruzasse como um barquito que vi aproximar-se pela água, governado por um só galeote, o qual gritava: «Chegaste então, alma traidora!» «Flégias, Flégias, teus gritos são em vão», retorquiu o meu senhor. «Desta vez sã nos terás para o lodo atravessar.» Como quem se apercebe de ter sido logrado e a seguir fica sentido, Flégias dominou a sua raiva. O meu guia desceu até à barca e atrás dele me fez embarcar, e sã depois que nela entrei a barca pareceu carregadas.

Assim que o meu guia e eu a bordo nos achámos, a antiga proa começou a sulcar mais profundamente as águas do que era uso com outros passageiros. Ao atravessarmos a lagoa morta, perante mim se ergueu uma sombra de lodo coberta, que me disse: «Quem és tu, que antes de tempo vens?» E eu tornei: «Se venho, para ficar não é. E tu quem és, assim tão sujo desse lodo?» Respondeu: «Sou, como vês, um dos que choram.» E eu retorqui: «Queda-te com o pranto e com a dor, espírito maldito, que mesmo assim, cheio de lodo, te conheço bem!»

Estendeu então ambas as mãos para a barca, pelo que o mestre o repeliu, dizendo: «Fora daqui, vai para junto dos restantes cães!» Depois atingiu-me com os braços, beijou-me a face e disse: «Alma nobre, bendita seja a que no seio te trouxe! Este no mundo foi ser orgulhoso, que não deixou qualquer lembrança de bondade; por isso aqui está a sua sombra furiosa.





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