Inferno - Cap. 27: Capítulo 27 Pág. 79 / 102

Já estava a chama imóvel e direita, para não mais falar, e já de nós se afastava com a permissão do doce poeta, quando outra, que atrás vinha, me fez volver os olhos para a sua ponta, devido ao confuso som que produzia. Como o touro siciliano que mugiu pela primeira vez com o lamento — e tal foi justo — daquele cujo cinzel o modelara', mugia com a voz do condenado, de tal modo que, fosse de bronze embora, de dor parecia trespassado, assim por não ter caminho ou abertura no fogo, na linguagem deste se tornavam as amargas palavras. Porém, tendo encontrado o seu caminho pela ponta da chama, comunicando-lhe aquela vibração que a língua ao passar lhes tinha dado, ouvimos dizer: «Ó tu a quem dirijo a palavra e que há pouco em lombardo falavas, dizendo: 'Vai-te agora, que mais não te detenho', embora eu tenha chegado talvez um pouco tarde, não te pese a falar permanecer comigo: repara que a mim não pesa e estou a arder! Se neste mundo cego acabas de tombar, daquela doce terra latina onde todas as culpas cometi, diz-me se em paz ou guerra estão os romanholos, pois eu nasci nos montes que há entre Urbino e o cume donde o Tibre se depenha.»

Eu estava ainda à escuta, atento e inclinado, quando o meu guia me tocou com o cotovelo, dizendo: «Fala tu, que este é latino.» E eu, que tinha já pronta a resposta, sem tardança comecei a falar: «O alma que estás aí oculta: a tua Romanha não está nem esteve nunca sem guerra haver no coração dos seus tiranos; mas agora não deixei lá nenhuma declarada. Ravena está como está há muitos anos. A águia de Polenta ali tem o seu ninho, pelo que a Cérvia cobre com as suas asas. A cidade, que sofreu já a longa provação e de franceses formou sangrento montei, encontra-se de nove sob as garras verdes e o mastim velho e o novo de Verrucchio, que tanto mal fizeram a Montagna, cravam os dentes e sugam onde saíam. A cidade de Santerno e a do Lamona são governadas do seu branco covil pelo leãozinho que muda de bando do Verão para o Invernos. E aquela cujos muros são banhados pelo Savio, tal como está situada entre a planície e a montanha, vive entre a liberdade e a tirania. Rogo-te agora que me digas quem és. Não sejas menos complacente do que foram outros, e assim perdure o teu nome no mundo.»





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