1984 - Cap. 15: Capítulo XV Pág. 168 / 309

Era uma barra de duas onças (naquele tempo ainda se falava em onças) para os três.' Evidentemente, devia ser dividida em três partes iguais. De repente, como se ouvisse a voz de outrem, ele se ouviu exigindo, com voz grossa e forte, que lhe dessem a barra toda. A mãe respondeu-lhe que não fosse guloso. Houve uma longa e incômoda discussão, que durou horas, com gritos, uivos, lágrimas, queixas, acordos. A irmãzinha, agarrada à mãe com as duas mãos, exatamente como um filhote de macaco, olhava-o com grandes olhos doridos. Por fim, a mãe quebrou a barra em quatro pedaços iguais, dando três a Winston e o último à menina. A garota apanhou e ficou a olhá-lo, feito água parada, talvez sem saber o que fosse. Winston observou-a um momento. Depois, com um bote repentino e célere, arrancou o pedaço de chocolate da mão da irmã e correu para a porta.

-Winston, Winston! - chamou sua mãe. - Volta e devolve o chocolate da tua irmã!

Ele parou, mas não voltou. Os olhos ansiosos de sua mãe o fixavam. Naquele momento ela estava pensando na coisa que ele não sabia o que fosse, mas que deveria acontecer. A menina, consciente de ter sido furtada, gemia debilmente. A mulher passou o braço em torno da filha e apertou-lhe o rosto contra o peito. Naquele gesto havia algo que revelou a Winston: sua irmã estava morrendo. Fez meia-volta e disparou escada abaixo, o chocolate a melar-lhe os dedos.

Nunca mais tornara a ver a mãe. Depois de devorar o chocolate, sentira-se um tanto envergonhado de si mesmo e ficara na rua várias horas, até a fome lhe indicar o caminho de casa. Quando chegou, a mãe desaparecera. Naquela época, isso já se estava tornando normal. Nada sumira do quarto, exceto a mulher e a filha.





Os capítulos deste livro