Lembrava-se do quarto em que moravam, um aposento escuro, abafado, que parecia cheio, pela metade, com uma cama de cabeceira branca. Na guarda da lareira havia um fogareiro a gás, e uma prateleira onde ficavam os gêneros. No patamar, fora do quarto, havia uma pia de louça marrom, comum a várias famílias. Lembrava-se do corpo estatuesco de sua mãe, inclinado sobre o fogareiro, mexendo a caçarola.
Sobretudo lembrava-se da sua fome contínua, e das brigas encarniçadas e sórdidas às refeições. Perguntava a sua mãe, chocarreiramente, milhares de vezes, porque não havia mais comida, gritava e esbravejava com ela (recordava-se até dos tons de sua voz, que estava começando a mudar prematuramente e de vez em quando reboava de maneira especial), ou tentava uma nota patética e nasal, num esforço de ganhar mais que o seu quinhão. E ela estava disposta a dar-lhe mais que o quinhão. Considerava natural que ele, "o rapaz", recebesse a maior porção; por mais que lhe desse, porém, ele invariavelmente pedia mais. Em cada refeição ela lhe pedia que não fosse egoísta e lembrasse que a irmãzinha doente também precisava de alimento, mas era inútil. Ele chorava de raiva quando a mãe parava de servi-lo, tentava arrancar-lhe das mãos a caçarola e a colher, furtava bocados do prato da irmã. Sabia que assim as condenava à fome, mas não podia evitá-lo; sentia-se até com direito a agir dessa forma. A fome clamorosa que tinha na barriga parecia justificá-lo. Entre as refeições, se a mãe não vigiasse, ele constantemente pilhava as magras provisões da prateleira.
Um dia, foi distribuída uma ração de chocolate. Havia semanas ou meses que não se via chocolate. Winston lembrava-se com muita clareza daquele precioso pedacinho de chocolate.