1984 - Cap. 15: Capítulo XV Pág. 169 / 309

Não tinham levado roupa alguma, nem mesmo o capote da mãe. Até aquele dia, Winston não sabia com certeza se ela estava morta ou não. Era perfeitamente possível que a tivessem apenas enviado a uma colonia correcional. Quanto à irmã, poderia ter sido mandada, como Winston, a um dos orfanatos surgidos em consequência da guerra civil; ou podia ter sido levada para o campo com sua mãe, ou meramente abandonada nalguma parte, para morrer.

O sonho ainda estava vívido no seu espírito, especialmente o gesto protetor do braço no qual parecia se conter todo o seu significado. Winston lembrou-se de outro sonho, de dois meses antes. Na posição exata em que sua mãe sentara na cama miseranda, de colcha branca, com a filha agarrada ao peito, ela aparecera no navio naufragado, bem abaixo dele, e afundando cada vez mais, sempre a fitá-lo através da água escura. Contou a Júlia a história do desaparecimento de sua mãe. Sem abrir os olhos, ela rolou sobre si mesma e instalou-se em posição mais confortável.

- Eu te vejo como uma ferinha diabólica, naquela época - disse ela, indistintamente. - Todas as crianças são feras.

- São, mas o importante da história...

Pela sua respiração pausada tornou-se evidente que ela adormecera de novo. Ele gostaria de ter continuado falando da mãe. Não supunha, pelo que ainda se lembrava dela, que tivesse sido mulher fora do comum, e muito menos inteligente; e no entanto possuíra uma espécie de nobreza, de pureza, simplesmente porque obedecia a cânones que eram seus próprios. Seus sentimentos eram dela mesma, e não podiam ser alterados pelas circunstâncias externas. Não lhe ocorreria que um ato ineficaz se tornaria, por isso mesmo, sem sentido. Quando se ama alguém, ama-se, e quando não se tem nada mais para lhe dar, ainda se lhe dá amor.





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