Em épocas mais primitivas, quando de fato não era possível uma sociedade justa e pacífica, fora bem fácil acreditar nela. A ideia de um paraíso terreno em que os homens vivessem juntos num estado de fraternidade, sem leis nem trabalho brutal, incendiara durante milhares de anos a imaginação humana. E essa visão tinha certo fascínio mesmo sobre os grupos que realmente se beneficiaram de cada mudança histórica. Os herdeiros das revoluções inglesas, francesa e americana haviam parcialmente acreditado nas suas próprias frases a respeito dos direitos do homem, liberdade de palavra, igualdade perante a lei, e quejandas, e até haviam permitido que sua conduta fosse por elas influenciadas, dentro de certos limites. Mas ao advir a quarta década do século vinte, eram autoritárias todas as principais correntes de pensamento político. O paraíso terreno se desacreditara no momento exato em que se tornara realizável. Cada nova teoria política, fosse qual fosse o seu rótulo, conduzia de novo à hierarquia e à regimentação. E no endurecimento geral de atitudes verificado por volta de 1930, práticas havia longo tempo abandonadas, em alguns casos durante séculos - prisão sem julgamento, uso de prisioneiros de guerra como escravos, execuções públicas, tortura para arrancar confissões, o uso de reféns e deportação de populações inteiras - não só voltaram a ser comuns como eram toleradas e até defendidas por pessoas que se consideravam esclarecidas e progressistas.
Só depois de uma década de guerras nacionais, guerras civis, revoluções e contra-revoluções em toda parte do mundo é, que o Ingsoc e seus rivais emergiram como teorias políticas completas. Haviam porém sido antecipados por vários sistemas, geralmente chamados totalitários, aparecidos no mesmo século, sendo evidentes, havia muito tempo, as linhas principais do mundo que nasceria do caos existente.