1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 226 / 309

O Ministério da Paz ocupa-se da guerra, o da Verdade com as mentiras, o do Amor com a tortura e o da Fartura com a fome. Essas contradições não são acidentais, nem resultam de hipocrisia ordinária: são exercícios conscientes de duplipensar. Pois é só reconciliando contradições que se pode reter indefinidamente o poder. De nenhuma outra maneira seria possível quebrar o antigo ciclo. Se é preciso impedir para sempre a igualdade humana - se, como a chamamos, a Alta deve conservar permanentemente sua posição - então a condição mental deve ser a de insânia controlada.

Mas há outra questão que, até este momento, não consideramos. E é esta: por que se deve impedir a igualdade humana? Suponhamos que tenha sido bem descrita a mecânica do processo: qual é o motivo desse vasto e bem calculado esforço para congelar a história num determinado instante?

Aqui chegamos ao segredo central. Como vimos, a mística do Partido e, acima de tudo, do Partido Interno, depende do duplipensar. Mais fundo do que isto, porém, há o motivo original, o instinto jamais posto em dúvida, que primeiro levou à conquista do poder e gerou o duplipensar, a Polícia do Pensamento, a guerra contínua e todo o restante equipamento necessário. Esse motivo realmente consiste...

Winston dera-se conta do silêncio, como quem percebe um novo som. Parecia-lhe que Júlia estava muito quieta havia bastante tempo. Estava deitada de lado, nua da cintura para cima, com a face apoiada na mão e um cacho de cabelo castanho caído sobre os olhos. O peito subia e descia com regularidade.

- Júlia?

Nenhuma resposta.

- Júlia, estás acordada?

Nenhuma resposta. Tinha adormecido. Ele fechou o livro, pousou-o cuidadosamente no soalho, deitou-se e puxou a colcha sobre ambos.





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