- O engraçado é que eu verifiquei que estava cheio. Vou-me vestir - acrescentou ela. - Parece que esfriou um pouco.
Winston também se levantou e vestiu-se. A voz infatigável cantou:
«Dizem que o tempo tudo cura,
Dizem que sempre se pode esquecer,
Mas os sorrisos e lágrimas anos a fio,
Ainda fazem meu coração sofrer.»
Prendendo o cinto, ele foi até a janela. O sol devia ter-se escondido atrás das casas. Já não brilhava no quintal. Os paralelepípedos estavam molhados, como se tivessem sido lavados, e ele teve a impressão de que o céu também fora lavado, tão fresco e pálido era o azul entre as coifas das chaminés. Incansável, a mulher marchava daqui para acolá, arrolhando e desarrolhando a boca com os prendedores, cantando e emudecendo, estendendo mais fraldas, e mais e mais. Ele se indagou se a mulher era lavadeira profissional ou apenas a escrava de vinte ou trinta netos. Júlia viera juntar-se a ele; juntos contemplavam, com um certo fascínio, a figura reforçada da prole. Fitando a mulher na sua atitude característica, os braços grossos alcançando o varal, as ancas muito salientes, fortes, como as de uma égua, ele achou, pela primeira vez, que ela era bonita. Antes, nunca lhe havia ocorrido que pudesse ser belo o corpo de uma mulher de cinquenta anos, ampliado a monstruosas dimensões pelos partos sucessivos, depois enrijada, calejada pelo trabalho até ficar grosseira como um nabo muito maduro. Mas era, e afinal, pensou ele, por que não? O corpo sólido, sem contornos, como um bloco de granito, e a pele vermelha arrepiada, representavam o mesmo, em relação ao corpo de Júlia, que o fruto de uma rosa brava junto à rosa de jardim.