1984 - Cap. 18: Capítulo XVIII Pág. 238 / 309

Ninguém mais lhe falara. Surpreendentemente, os criminosos comuns nem tomavam conhecimento dos políticos, a quem chamavam de "politiqueiros," com uma espécie de desprezo desinteressado. Os prisioneiros do Partido pareciam amedrontados demais para falar a quem quer que fosse, principalmente aos companheiros de infortúnio. Só uma vez, quando duas militantes foram apertadas de encontro ao banco é que ele entreouviu, em meio ao vozerio geral, umas palavras sussurradas à pressa; e em particular uma referência, que não compreendeu, à sala "um-zero-um".

Havia talvez duas ou três horas que o tinham levado para ali. Não o largava a dor surda da barriga, que no entanto ora melhorava, ora piorava, e os seus pensamentos se expandiam ou contraíam. Quando piorava, só pensava na dor, e no seu desejo de comer. Quando melhorava, dominava-o um medo pânico. Havia momentos em que com tamanha clareza previa o que lhe ia acontecer, que o coração galopava e parava de respirar. Sentia o golpe dos bastões nos cotovelos e das botas ferradas nas canelas; via-se rojando no chão, pedindo misericórdia aos gritos, por entre os dentes partidos. Mal pensava em Júlia. Não podia fixar a mente em Júlia. Amava-a e não a trairia; mas era apenas um fato, sabido como as leis da matemática. Não sentia amor por ela, e quase não tinha vontade de saber o que lhe estava acontecendo. Com muito maior frequência pensava em O'Brien, com um raio de esperança. O'Brien devia saber que ele fora preso. A Fraternidade, dissera ele, nunca procurava salvar seus membros. Mas havia a lâmina de barba; mandariam uma lâmina, se pudessem. Cinco segundos talvez se passassem antes dos guardas poderem levá-lo para a cela. A lâmina haveria de mordê-lo com uma espécie de frieza de queimar, e os dedos que a segurassem seriam lanhados até o osso.





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