Tudo voltava ao corpo doente, que se encolhia, trêmulo, ante a menor dor. Não tinha certeza de usar lâmina, mesmo que tivesse tempo. Seria mais natural existir de momento a momento, aceitar mais dez minutos de vida mesmo com a certeza de mais tortura.
Às vezes, tentava calcular o número de tijolos de porcelana nas paredes da cela. Não seria difícil, porém sempre perdia a conta num ponto ou noutro. O mais das vezes perguntava a si mesmo onde estaria, e que horas seriam. Ora tinha a certeza de ser dia claro lá fora, ora sentia igual certeza de ser noite fechada. Sabia instintivamente que naquele lugar as luzes jamais apagariam. Era o lugar sem treva: agora via porque O'Brien parecera reconhecer a alusão. No Ministério do Amor não havia janelas. Sua cela podia ser no meio do edifício, ou junto a uma parede externa; podia ser dez andares abaixo do solo, ou trinta acima. Deslocava-se mentalmente de um lugar para outro, tentando determinar sensoriamente se estava num andar alto ou enterrado num subsolo.
De fora se ouviu o ruido de botas marchando. A porta de aço abriu-se com estrépito. Um jovem oficial, uma figura esbelta, de uniforme negro que brilhava nos couros polidos, e cujo rosto magro parecia uma máscara de cera, cruzou o limiar. Fez um gesto aos guardas, mandando que trouxessem o preso. O poeta Ampleforth foi atirado dentro da cela. A porta tornou a fechar-se com ruido. Ampleforth fez um ou dois movimentos incertos, de um lado para outro, como se imaginasse haver outra porta de saída; depois começou a vaguear pela cela. Ainda não percebera a presença de Winston. Seu olhar perturbado examinava a parede, a um metro acima da cabeça de Winston.
Não tinha sapatos e os artelhos grandes e sujos escapavam pelos buracos das meias.