1984 - Cap. 18: Capítulo XVIII Pág. 247 / 309

Os uivos pararam; o homem não tinha fôlego para outra coisa, além de segurar-se. Ouviu-se então um brado diferente. Um pontapé de um dos guardas partira-lhe os dedos da mão. Obrigaram-no a levantar-se.

- Sala 101 - repetiu o oficial.

O homem foi levado embora, cambaleando, cabisbaixo e alisando a mão esmagada.

Passou-se muito tempo. Se o homem caveira tivesse sido levado à meia-noite, era de manhã; se o fosse de manhã, era de tarde. Winston estava só, e assim tinha permanecido algumas horas. A dor de sentar-se no banco estreito era tanta que por fim ele se levantou e passeou um pouco, sem que a teletela o censurasse. O pedacinho de pão estava ainda onde o outro a derrubara. A princípio, foi preciso um grande esforço para não o olhar mas depois a fome deu lugar à sede. Sentia um gosto ruim na boca pastosa. O zumbido constante e a luz branca tinham provocado uma espécie de fraqueza, uma sensação de vazio na cabeça. Levantava-se porque não podia mais aguentar a dor nos ossos, e então tornava a sentar-se, quase imediatamente, porque se sentia tonto demais para ficar de pé. O terror voltava sempre que conseguia controlar um pouco suas sensações físicas. Às vezes, com diminuída esperança, pensava em O'Brien e na lâmina de barba. Era imaginável que viesse escondida na comida, se é que lhe iam dar de comer. Pensou vagamente em Júlia. Devia estar sofrendo nalguma parte, talvez mais do que ele. Talvez estivesse gritando de dor, naquele instante. Imaginou: "Se eu pudesse salvar Júlia dobrando a minha dor, seria capaz? Sim, seria." Mas não passava de uma decisão intelectual, tomada por saber que devia tomá-la. Não a sentia. Naquele lugar não era possível sentir nada, exceto dor e presciência da dor.





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