Além disso, era possível desejar, por qualquer motivo, que a dor aumentasse, quando já a sofria bastante? Era uma pergunta que ainda não podia responder.
As botas fizeram-se ouvir de novo. A porta abriu-se. O'Brien entrou.
Winston levantou-se num pulo. O choque baniu todas suas precauções. Pela primeira vez, em muitos anos, esqueceu-se da presença da teletela.
- Também te pegaram! - exclamou.
- Pegaram-me há muito tempo - disse O'Brien, com leve ironia, quase arrependida.
Deu um passo para o lado e por trás dele apareceu um guarda de peito largo, com um longo bastão negro na mão.
- Sabias disto - disse O'Brien. - Não te iludas, Winston. Sabias... sempre soubeste.
Sim, ele agora via que sempre o soubera. Mas não houve tempo para pensar. Só tinha olhos para o bastão do guarda. Podia cair em qualquer parte: no alto da cabeça, na ponta da orelha, no braço, no cotovelo...
O cotovelo! Caíra de joelhos, quase paralisado, protegendo com a mão o cotovelo atingido. Tudo explodira numa luz amarela. Inconcebível, inconcebível que um só golpe produzisse tamanha dor! O amarelo se foi e ele pôde ver os dois a contemplá-lo. O guarda ria-se das suas contorções. Ao menos uma dúvida fora esclarecida. Nunca, por nenhuma razão, se poderia desejar que a dor aumentasse. Da dor, só se podia desejar uma coisa, que parasse. Nada no mundo era tão horrível como a dor física. Em face da dor não há heróis, não há heróis, ele pensou e tornou a pensar, torcendo-se no chão, segurando à toa o braço esquerdo invalidado.