1984 - Cap. 23: Capítulo XXIII Pág. 306 / 309

E então de repente o entusiasmo se apagava e eles ficavam em torno da mesa, entreolhando-se, com olhos defuntos, como duendes que se desvanecem ao cocorico do galo.

A teletela calou-se um instante. Winston tornou a levantar a cabeça. O boletim! Mas não, apenas mudavam de música. Tinha o mapa da África na retina. O movimento dos exércitos era um diagrama: uma flecha negra avançando para o sul, na vertical, e uma seta branca rasgando para leste, na horizontal, cortando a haste da primeira. Como para se tranquilizar, contemplou o rosto imperturbável do cartaz. Seria concebível que a segunda flecha nem ao menos existisse?

Seu interesse caiu de novo. Bebeu novo gole de gin, apanhou o bispo branco e deu um lance experimental. Cheque. Evidentemente, porém, não era o lance certo porque...

Sem que a chamasse, uma lembrança lhe voltou à mente. Viu um quarto iluminado a vela, com uma vasta cama, coberta por uma colcha branca, e ele próprio, com nove ou dez anos, sentado no chão, sacudindo um copo de dados e rindo-se nervosamente. Sua mãe estava sentada à sua frente e também ria.

Devia ter sido um mês antes de ela desaparecer. Fora um momento de reconciliação, em que esquecera a fome tenaz no ventre, e ressuscitara parcialmente a antiga afeição. Lembrava-se lucidamente do dia, de chuva forte, em que a água escorria pelo vidro das janelas e dentro da casa estava escuro demais para ler. Tornara-se insuportável o tédio das duas crianças presas num quarto escuro e apertado. Winston queixava-se e resmungava, fazia fúteis pedidos de comida, perambulava nervoso pelo quarto tirando tudo do seu lugar e dando pontapés nas paredes até os vizinhos reclamarem, dando murros do outro lado; enquanto isso, a menina gemia intermitentemente.





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