Capítulo 23: Capítulo XXIII
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Mas tornara-se o elemento em que nadava. Era sua vida, sua morte, sua ressurreição. Era o gin que o mergulhava no estupor todas as noites, e o gin que o revigorava todas as manhãs. Ao despertar, raras vezes antes das onze, as pálpebras coladas, a boca ardente e as costas moídas, seria impossível abandonar a horizontal se não fossem a garrafa e a Chávena na mesinha de cabeceira. Passava um par de horas sentado, olhos vazios e vidrados, garrafa à mão, escutando a teletela. Das quinze à hora de fechar estava sempre no Castanheira. Ninguém mais se importava com o que ele fizesse, nenhum apito o acordava, nenhuma teletela o admoestava. Ocasionalmente, duas vezes por semana talvez, ia a um empoeirado e esquecido escritório do Ministério da Verdade e trabalhava um pouco. Fora nomeado para o subcomité de um subcomité que surgira de um dos inúmeros comités que tratavam das dificuldades menores aparecidas durante a compilação da Décima Primeira Edição do Dicionário de Novilíngua. Cabia-lhes redigir um chamado Relatório provisório, porém ele nunca descobrira a respeito do que deveriam escrever. Parecia ligar-se à questão da colocação das vírgulas antes ou depois das aspas. Havia outros quatro no comité, todos pessoas em semelhantes condições. Havia dias em que se reuniam e logo debandavam de novo, admitindo francamente que na verdade nada tinham que fazer. Mas noutras ocasiões, atiravam-se ao trabalho quase com ânsia, fazendo uma fita enorme de minutar seus relatórios pessoais e redigir longos memorandos que nunca terminavam - quando a discussão sobre o que deveriam discutir se tornava extraordinariamente complicada e abstrusa, com subtis divergências sobre definições, enormes digressões, discussões e até ameaças de recurso a autoridade superior.
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