No fim, sua mãe dissera “Fica sossegado que eu compro-te um brinquedo. Um lindo brinquedo... hás-de gostar muito dele.” E saíra para a chuva, indo a uma loja próxima que ainda abria esporadicamente, e voltara com uma caixa de cartão contendo um jogo de obstáculos. Podia ainda lembrar-se do cheiro da cartolina molhada. Era um jogo paupérrimo. A prancha da corrida de obstáculos estava rachada, e os dados de madeira eram tão toscos que mal caíam de lado. Winston olhara o brinquedo, emburrecido, sem interesse. Mas então a sua mãe acendera um coto de vela e sentara no chão para jogar. Dali a pouco ele estava entusiasmado, gritando e dando gargalhadas quando as pedras subiam cheias de esperança e caíam nas arapucas, voltando quase ao ponto de partida. Tinham jogado oito partidas, ganhando quatro cada um. A irmãzinha, muito pequena para compreender o jogo, fora instalada entre travesseiros na cama, e ria porque via os outros sorrindo. Durante a tarde toda tinham sido felizes os três, como na primeira infância.
Ele expulsou a cena da memória. Era uma lembrança falsa. De vez em quando era perturbado por essas falsas recordações. Não tinha importância, contanto que soubesse do que se tratava. Algumas coisas tinham acontecido, outras não. Concentrou-se de novo no tabuleiro e tornou a apanhar o bispo branco. Quase no mesmo instante largou-o com ruído sobre o tabuleiro. E estremeceu como se lhe tivessem dado uma alfinetada. Um agudo toque de clarim cortara o ar. Era o boletim! Vitória! O toque de clarim antes do noticiário sempre significava vitória. Uma espécie de arrepio elétrico percorreu o café. Até os empregados pararam para ouvir com atenção.
O clarim provocara uma onda de barulho.