1984 - Cap. 1: Capítulo I Pág. 9 / 309

.. Winston parou de escrever, em parte por sentir cãibras na mão. Não sabia o que o levara a soltar aquela torrente de tolices. O curioso, porém, é que, ao fazê-lo, uma recordação inteiramente diferente se esclarecera em sua memória, ao ponto de quase se sentir capaz de narrá-la. Percebia agora que fora por causa do outro incidente que de súbito resolvera ir para casa e iniciar o seu diário aquele dia.

Sucedera aquela manhã no Ministério, se é possível dizer, que sucede algo tão nebuloso.

Eram quase onze horas e no Departamento de Registro, onde Winston trabalhava, já arrastavam cadeiras dos cubículos e as arrumavam no centro do salão, diante da grande teletela, preparando-se para os Dois Minutos de ódio. Winston ia ocupando seu lugar numa das filas do meio quando entraram inesperadamente na sala duas pessoas que conhecia de vista, mas com quem nunca falara. Uma delas era uma moça com quem se encontrara muitas vezes nos corredores. Não sabia como se chamava, mas sabia que trabalhava no Departamento de Ficção. Era de presumir - pois a vira levando uma chave inglesa nas mãos sujas de graxa - que fosse mecânica de uma das máquinas de novelizar. Devia ter uns vinte e sete anos, e era de aparência audaciosa, com cabelo negro e espesso, rosto sardento e movimentos rápidos, atléticos. Uma estreita faixa escarlate, emblema da Liga Juvenil Anti-Sexo, dava várias voltas à sua cintura, o suficiente para realçar as curvas das ancas. Winston antipatizara com ela desde o primeiro momento. E sabia porquê. Era por causa da atmosfera de campos de hóquei, chuveiro frio, piqueniques e grande linha moral que conseguia inspirar. Ele antipatizava com todas as mulheres, principalmente com as moças e bonitas.





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