Madame Bovary - Cap. 22: XIV Pág. 242 / 382

Homais, admirado com aquele silêncio, quis saber a opinião dele e o sacerdote declarou que considerava a música menos perigosa para os bons costumes do que a literatura.

Mas o farmacêutico tomou a defesa das letras. O teatro, pretendia ele, servia para criticar os preconceitos e, sob o disfarce do divertimento, ensinava a virtude.

- Castigat ridendo mores, Sr. Padre Bournisien! Veja, por exemplo, a maior parte das tragédias de Voltaire; estão habilmente semeadas de reflexões filosóficas que constituem para o povo uma verdadeira escola de moral e de diplomacia.

- Eu cá - disse Binet - vi em tempos uma peça intitulada O Garoto de Paris, onde se acentua o carácter de um velho general que é realmente admirável! Ele repreende um filho-família que seduzira uma operária, que por fim...

- Certamente - continuou Homais - existe a má literatura, do mesmo modo que a má farmácia; mas condenar em bloco a mais importante das belas-artes parece-me uma estupidez, uma ideia gótica, digna dos tempos em que encarceraram Galileu.

- Bem sei - objectou o padre - que existem boas obras, de bons autores; no entanto, basta estarem reunidas pessoas de sexo diferente num salão encantador, ornado de pompas mundanas, ainda com os disfarces pagãos, as pinturas do rosto, as luzes, as vozes efeminadas, para que tudo acabe por engendrar uma certa libertinagem de espírito e sugira pensamentos desonestos, tentações impuras. Essa é, pelo menos, a opinião de todos os padres da Igreja. Enfim - acrescentou, adoptando subitamente um tom místico da voz, enquanto enrolava uma pitada de tabaco -, se a Igreja condenou os espectáculos, tinha razão para os condenar; temos de nos submeter aos seus decretos.

- Por que é que ela excomunga os comediantes? - perguntou o boticário.





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