Tinha uma palidez esplêndida, daquelas que emprestam um quê da majestade dos mármores às ardentes raças do Sul. O seu tronco vigoroso vestia um gibão de cor escura; na coxa esquerda batia-lhe um punhalzinho cinzento, e relanceava olhares lânguidos, descobrindo os seus dentes alvos. Dizia-se que uma princesa polaca, ouvindo-o uma noite cantar na praia de Biarritz, onde consertava embarcações, se apaixonara por ele. Arruinara-se por sua causa. Depois ele abandonara-a por outras mulheres e aquela proeza sentimental não deixava de contribuir para a sua reputação artística. O comediante diplomata tinha mesmo o cuidado de incluir sempre nos cartazes uma frase poética sobre o fascínio da sua pessoa e a sensibilidade da sua alma. Uma bela voz, um imperturbável aprumo, mais jeito do que inteligência e mais ênfase do que lirismo, acabavam de realçar aquele admirável tipo de charlatão, que incluía um pouco de cabeleireiro e de toureiro.
Logo na primeira cena causou entusiasmo. Apertava Lúcia nos braços, deixava-a, voltava de novo, parecia desesperado: tinha acessos de ira, depois desabafos elegíacos duma doçura infinita, e as notas escapavam-se-lhe da garganta despida, cheias de soluços e de beijos. Emma debruçava-se para o ver, esgravatando com as unhas o veludo do camarote. Enchia o coração daqueles lamentos melodiosos que se arrastavam como acompanhamento dos contrabaixos, como gritos de náufragos no tumulto duma tempestade.