Madame Bovary - Cap. 24: TERCEIRA PARTE – I Pág. 258 / 382

Parecia-me reconhecê-la às esquinas das ruas; e corria atrás de todas as tipóias a cuja portinhola via flutuar um xaile, um véu parecido com o seu...

Ela parecia determinada a deixá-lo falar sem o interromper. De braços cruzados e rosto inclinado para baixo, fixava as rosetas das suas chinelas, dentro das quais ia fazendo pequenos movimentos intermitentes com os dedos dos pés.

Entretanto suspirou:

- O que há de mais lamentável do que arrastar, como eu, uma existência inútil? Se os nossos sofrimentos pudessem servir a alguém, a ideia do sacrifício consolar-nos-ia!

Ele começou a elogiar a virtude, o dever e as imolações silenciosas, dizendo sentir ele próprio uma incrível necessidade de dedicação que não podia saciar.

- Eu gostaria imenso de ser irmã de caridade - disse ela.

- Infelizmente - replicou ele -, não há para homens missões santas como essas e não conheço nenhuma profissão..., a não ser talvez a de médico...

Com um leve encolher de ombros, Emma interrompeu-o para se queixar da doença de que estivera quase a morrer; que pena não ter morrido. Agora não estaria a sofrer. Léon invejou imediatamente a calma da sepultura, e até, uma noite, escrevera o seu testamento, recomendando que o amortalhassem naquela bonita manta orlada de veludo que fora oferta dela; pois era assim que desejariam ter ficado, um e outro procurando o ideal sobre que ajustar no presente a sua vida passada. Além disso, a palavra é um laminador que alonga sempre os sentimentos.

Porém, ante aquela invenção da manta, ela perguntou: - Então porquê?

- Porquê?

Léon hesitava.

- Porque a amei muito!

E, felicitando-se por haver ultrapassado a dificuldade, espiava-lhe o rosto pelo canto da vista.

Parecia o céu quando um pé-de-vento faz desaparecer todas as nuvens.





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