Madame Bovary - Cap. 10: SEGUNDA PARTE – I Pág. 84 / 382

Na capoeira ouviam-se gritar as aves que a criada perseguia para lhes cortar o pescoço.

Um homem, de chinelas de pele verde, um tanto marcado pelas bexigas e de boné de veludo com borla de ouro, aquecia as costas encostado à chaminé. Tinha estampado no rosto a satisfação de si mesmo e parecia levar uma vida tão tranquila como a do pintassilgo empoleirado por cima da sua cabeça, numa gaiola de vime: era o farmacêutico.

- Artémise! - gritava a dona da estalagem -, parte lenha miúda, enche as garrafas e traz aguardente; vá, despacha-te! Se ao menos soubesse a sobremesa que hei-de preparar para as pessoas que o senhor espera! Santo Deus! Lá estão os empregados das mudanças outra vez a fazer barulho no bilhar! E deixaram a carroça mesmo defronte do portão! Quando chegar a Andorinha, é capaz de ir de encontro a ela! Chama o Polyte para ir recolhê-la!... veja só, Sr. Homais, que, desde esta manhã, já jogaram talvez quinze partidas e beberam oito bilhas de sidra!... Vão-me rasgar o panocontinuava ela, olhando-os de longe, com a escumadeira na mão.

- Não seria grande prejuízo - respondeu o Sr. Homais -, você comprava outro.

- Outro bilhar! - exclamou a viúva.

- Se aquele já não aguenta, Sr! Lefrançois, está a fazer mal, repito

que acho que faz mesmo mal! Além disso, hoje, os amadores gostam dos buracos pequenos e dos tacos mais pesados. Já não é jogar ao berlinde; tudo mudou! Temos de acompanhar o progresso! Veja antes o Tellier. ..

A hospedeira corou de despeito. O farmacêutico continuou:

- O bilhar dele, pode a senhora dizer o que quiser, é mais interessante do que o seu; e, no caso de alguém se lembrar, por exemplo, de organizar uma rifa patriótica a favor da Polónia ou dos sinistrados das inundações de Lião.





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