Sangue Azul - Cap. 6: 6 Pág. 51 / 287

Não ignorava que quando tocava estava a dar prazer somente a si mesma, mas isso não era nenhuma sensação nova para ela: exceptuando um curto período da sua vida, nunca, desde os catorze anos, ou seja, desde a perda da sua mãe, conhecera a felicidade de ser escutada ou encorajada, com justo apreço ou gosto genuíno. Na música, habituara-se sempre a sentir-se só no mundo, e a terna parcialidade de Mr. e Mrs. Musgrove pela execução das suas próprias filhas, e total indiferença pela de qualquer outra pessoa, dava-lhe muito mais prazer, por eles, do que mortificação por si mesma.

O grupo da Casa Grande era algumas vezes engrossado por outras pessoas. A vizinhança não era muita, mas os Musgrove eram visitados por toda a gente e ofereciam mais jantares e recebiam mais visitas, quer convidadas quer ocasionais, do que qualquer outra família. Eram extraordinariamente populares.

As raparigas eram loucas por dançar, e os serões terminavam, de vez em quando, num pequeno baile não premeditado. Havia uma família de primos a pouca distância de Uppercross e em circunstâncias menos desafogadas, que dependiam dos Musgrove para todos os seus divertimentos: chegavam a qualquer altura e ajudavam a jogar a qualquer coisa ou a dançar fosse onde fosse - e Anne, que preferia de longe o ofício de tocar a qualquer outro mais activo, tocava contradanças horas a fio, para eles dançarem, uma amabilidade que não deixava nunca de recomendar, mais do que qualquer outra coisa os seus dotes musicais a Mr. e Mrs. Musgrove, e muitas vezes lhes suscitava este cumprimento: «Muito bem, Miss Anne! Muito bem, deveras! Valha-me Deus, como esses seus dedos pequeninos voam!»

Assim passaram as primeiras três semanas. Chegou o S. Miguel, e o coração de Anne voltou a fugir para Kellynch.





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