Cândido - Cap. 4: CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu Pág. 11 / 118

Ao ouvir isto, Cândido tornou a desmaiar. Mas, voltando a si e tendo dito tudo o que naquelas circunstâncias devia dizer, inquiriu da causa e do efeito e da razão suficiente que levara Pangloss a tão piedoso estado.

- Ai! - disse o outro -, foi o amor: o amor, o consolador do género humano, o conservador do universo, a alma de todos os seres sensíveis, o terno amor.

- Ai! - disse Cândido -, eu conheci esse amor, esse soberano dos corações, essa alma da nossa alma, e ele só me valeu um beijo e vinte pontapés no rabo. Como pode tão bela causa ter produzido em vós um efeito tão abominável?

Pangloss respondeu nestes termos:

- Lembrais-vos, meu caro Cândido, de Paquette, aquela linda criada da nossa augusta baronesa? Gozei nos seus braços as delícias do Paraíso, que se transformaram nos tormentos infernais de que me vedes devorado. Ela estava contaminada pela doença e dela deve ter morrido. Paquette recebera este presente de um frade muito sábio que a tinha ido buscar à sua origem, pois a recebera de uma velha condessa, que a tinha recebido de um capitão de cavalaria, que a devia a uma marquesa, que por seu turno a obtivera de um pajem, que a recebera de um jesuíta que, em noviço, a colhera em linha directa de um dos companheiros de Cristóvão Colombo. Por mim, não a transmitirei a ninguém, porque estou quase a morrer.

- Oh, Pangloss - exclamou Cândido -, que estranha genealogia! Com certeza tem as suas raízes no Diabo!

- De modo algum - replicou o grande homem. - Era uma coisa indispensável no melhor dos mundos, um ingrediente necessário: porque se Colombo não tivesse apanhado, numa ilha da América, esta doença, que muitas vezes impede a geração e é evidentemente oposta aos grandes desígnios da natureza, não teríamos o chocolate nem a cochonila.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113