Ao ouvir isto, Cândido tornou a desmaiar. Mas, voltando a si e tendo dito tudo o que naquelas circunstâncias devia dizer, inquiriu da causa e do efeito e da razão suficiente que levara Pangloss a tão piedoso estado.
- Ai! - disse o outro -, foi o amor: o amor, o consolador do género humano, o conservador do universo, a alma de todos os seres sensíveis, o terno amor.
- Ai! - disse Cândido -, eu conheci esse amor, esse soberano dos corações, essa alma da nossa alma, e ele só me valeu um beijo e vinte pontapés no rabo. Como pode tão bela causa ter produzido em vós um efeito tão abominável?
Pangloss respondeu nestes termos:
- Lembrais-vos, meu caro Cândido, de Paquette, aquela linda criada da nossa augusta baronesa? Gozei nos seus braços as delícias do Paraíso, que se transformaram nos tormentos infernais de que me vedes devorado. Ela estava contaminada pela doença e dela deve ter morrido. Paquette recebera este presente de um frade muito sábio que a tinha ido buscar à sua origem, pois a recebera de uma velha condessa, que a tinha recebido de um capitão de cavalaria, que a devia a uma marquesa, que por seu turno a obtivera de um pajem, que a recebera de um jesuíta que, em noviço, a colhera em linha directa de um dos companheiros de Cristóvão Colombo. Por mim, não a transmitirei a ninguém, porque estou quase a morrer.
- Oh, Pangloss - exclamou Cândido -, que estranha genealogia! Com certeza tem as suas raízes no Diabo!
- De modo algum - replicou o grande homem. - Era uma coisa indispensável no melhor dos mundos, um ingrediente necessário: porque se Colombo não tivesse apanhado, numa ilha da América, esta doença, que muitas vezes impede a geração e é evidentemente oposta aos grandes desígnios da natureza, não teríamos o chocolate nem a cochonila.