Eurico, o Presbítero - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 34 / 186

Duque de Córdova, não creias que o meu espírito se volte hoje para as misérias da terra, impelido por uma tardia saudade. Não! De que me serviriam o ouro, o poder e a grandeza? Para tomar um punhado desse lodo não se curvaria o presbítero. O único afecto eterno que, talvez, resta a este coração depurado pelo fogo da desdita, o amor da pátria, sentimento confuso e indefinido, mas indelével, é quem obriga Eurico a dizer-te o lugar em que veio coar gota a gota as horas aborridas da sua tormentosa existência.

Teodemiro! Teodemiro! Um dia tremendo se aproxima, em que a Espanha deve ser o túmulo da raça goda. Em sonhos antevi esse dia, e, após os sonhos, a medonha realidade aí se me alevanta diante dos olhos. Carteia está deserta, como as demais povoações vizinhas. Apenas eu ouso demorar-me nas imediações do Calpe; porque sei, passo a passo, todas as veredas que guiam ao topo dos desfiladeiros, tendo-as regado muitas vezes com lágrimas, tendo-lhes muitas mais confiado a história das minhas agonias. As cidades despovoam-se, e, como elas, os campos convertem-se em ermos. Embora ainda sorriam no vicejar das searas, no florescer dos pomares, no murmurar das fontes: semelhante sorrir consterna; porque o homem desapareceu do meio desta cena formosa, e o ruído da vida converteu-se em silêncio de morte. «Os árabes!», eis o único grito que o interrompe; e esta palavra maldita é como a peste quando passa: seguem-na o susto e o desacordo. A vileza do coração humano surge após ela em toda a hediondez do seu aspecto. O terror acabou com os mais santos afectos e, até, com o amor filial e paterno. Cada qual busca salvar-se a si próprio. Os netos dos nobres Godos converteram-se num bando desprezível de covardes egoístas.

Há três dias, ao romper da manhã, um grande número de velas branquejavam sobre as águas do Estreito: vinham do lado de Septum. Corremos à praia. Dentro de poucas horas entraram na baía de Carteia, e algumas entestaram com a Ilha Verde.





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