Eurico, o Presbítero - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 51 / 186

Então, os melhores cavaleiros godos, curvando-se para diante, com o franquisque erguido, corriam para as pontes, vergadas debaixo do peso dos cavalos e dos homens cobertos de armaduras, e vinham bater em cheio nos corredores árabes, que, no meio das trevas, não podiam esquivar-se aos golpes do ferro inimigo. Já, nas bocas de algumas dessas estradas movediças, os cadáveres amontoados começavam a embargar os passos dos vivos; mas por outras, onde os árabes ainda mal ordenados e menos numerosos não tinham podido resistir ao ímpeto dos godos, golfavam torrentes de guerreiros, que, marchando unidos para uma e outra parte, acometiam de lado os árabes, os quais, feridos pela frente e pelas costas, vacilavam e retrocediam. Debalde a voz retumbante de Táriq sobrelevava por cima dos gritos de furor e de agonia de muçulmanos e cristãos. O número dez vezes maior dos godos tornava impossível a resistência, e a passagem do exército de Roderico para a margem esquerda do Chrysus só Deus a poderia impedir.

Era quase manhã quando o capitão árabe se desenganou da inutilidade de se opor por mais tempo à passagem dos inimigos. As tiufadias godas achavam-se pela maior parte na campina onde se deviam resolver os destinos da Espanha, e bem que a este tempo todo o exército do Islame estivesse já em ordem de pelejar, a noite dava grande vantagem aos godos, cuja cavalaria, coberta de armas defensivas mais sólidas que as dos árabes, resistia facilmente aos cavaleiros do deserto, para quem a maior ligeireza e o mais destro modo de acometer eram baldados no meio das trevas. A um sinal das trombetas os esquadrões muçulmanos começaram a recuar e, alongando-se pela frente do acampamento, esperaram o romper do dia, enquanto o exército godo acabava de transpor o rio e vibrava milhares de frechas perdidas para o lado onde os capilhares alvíssimos dos árabes branquejavam à luz duvidosa do céu recamado de estrelas.

Quando o Sol, rompendo detrás dos outeiros de Segôncia, veio com o seu clarão avermelhado inundar as veigas do Chrysus, o espectáculo que elas ofereciam era variado e sublime. De um lado as tendas dos árabes, derramadas pelas raízes dos montes e pelos cimos dos outeiros, podiam comparar-se ao acampamento das tribos do deserto, que, emprazadas à voz do profeta, se houvessem ajuntado num ponto único das solidões onde vagueiam.





Os capítulos deste livro