Diante desta cidade imensa e movediça, os esquadrões dos muçulmanos, divididos por famílias e raças, estavam firmes e cerrados em frente de seus pendões, que os alféreces, montados em ginetes possantes, sustinham erguidos na retaguarda de cada tribo. Os raios matutinos faziam alvejar os turbantes e cintilavam nos ferros das lanças que os cavaleiros tinham em punho, e os leves escudos orbiculares, que os compridos saios de malha pareciam tornar inúteis, embraçados já para o combate, brilhavam com as suas cores vivas e variadas à claridade serena do romper do dia.
Os esquadrões árabes eram a flor do exército de Táriq; mas a catadura selvagem dos africanos seus aliados, neófitos do islamismo, produzia, porventura, mais temor do que o aspecto deles. Torvos e ferozes eram o gesto e os meneios destes homens sem disciplina, cujas paixões se lhes pintavam nos rostos tostados e rugosos, nos olhos banhados de fel e orlados de sangue, e de cuja bruteza e miséria davam testemunho os manguais que lhes serviam de armas (armas terríveis, com que abolavam os elmos mais reforçados) e a hediondez dos seus albornozes pardos, imundos e despedaçados. Tudo, enfim, neles contrastava com as armas brilhantes, com os ricos trajos e com os vultos majestosos dos cavaleiros do Oriente, que, conservando-se em silêncio e imóveis, pareciam desprezar as tribos bereberes de Zeneta, de Masmuda, de Zanhaga, de Quetama e de Hoara, que formavam as alas e que, brandindo as rudes armas, com gritos medonhos se apelidavam para a batalha.
Tal era o espectáculo que oferecia o exército dos muçulmanos. Defronte dele, a hoste goda apresentava os maciços profundos dos seus soldados, cobrindo, como grossa muralha de metal reluzente, a margem esquerda do rio. Rodeado dos mais ilustres guerreiros, Roderico estava no centro das tiufadias formadas pelos espadaúdos soldados da Lusitânia setentrional e da Galécia, em cujas feições se divisava ainda que descendiam dos indomáveis Suevos. Unidos com eles sob os pendões reais, estavam os guerreiros veteranos da Narbonense, habituados a cruzar diariamente as espadas com os orgulhosos francos, que estanciavam pelas Gálias, além das fronteiras do império.