Eurico, o Presbítero - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 66 / 186

Como na véspera, o Sol inclinava-se das alturas do céu para o ocaso, e ainda a batalha estava indecisa, se é que o terror que incutia o cavaleiro negro no lugar onde pelejava não fazia pender um pouco a balança do lado dos godos. De repente, um grito agudo partiu do mais espesso revolver do combate; este grito gigante, indizível, de íntima agonia, era o brado uníssono de muitos homens; era o anúncio doloroso de um sucesso tremendo. O cavaleiro negro, que, impelido pela ebriedade do sangue, e semelhante a rochedo que se despenha pelo pendor da montanha, ia derramando a morte através dos esquadrões do Islame, volveu os olhos para o lugar onde soara o bramido retumbante da multidão. Era no centro do exército godo. As tiufadias vergavam em semicírculos para a banda do Chrysus, como o açude minado pela torrente, a ponto de desprender- se das margens, oscila e se curva, bojando sobre a veia inferior das águas. A muralha de ferro que, posta entre o islamismo e a Europa, dizia à religião do profeta de Iátribe «não passarás daqui» vacila, como a quadrela de cidade fortificada batida muitos dias por vaivém de inimigos. Por fim, aqueles vastos maciços de homens ligados pela cadeia fortíssima da disciplina, do pudor militar e do esforço, derivam rotos ante os turbilhões dos árabes, ondeiam e derramam-se na campina. Pelo boqueirão enorme aberto no centro da hoste goda precipitam-se as ondas dos cavaleiros maometanos, e, após eles, a turba dos bereberes, com um bramido bárbaro. Debalde as alas tentam ajuntar-se, travar-se uma com a outra, soldar os membros despedaçados do leão ibérico. Passa por lá a impetuosa corrente dos netos de Agar, que envolve e arrasta os que pretendem vadeá-la. Deus contara os dias do império de Leovigildo, e o sol do último deles era o que descia já para o ocidente!

O cavaleiro negro vira a fuga das batalhas godas, advertido pelo clamor que a precedera. Voltando as rédeas do seu murzelo, esporeou-o para aquela parte. Levava lançado às costas o escudo, onde os tiros dos archeiros africanos ciciavam, como a saraiva no Inverno batendo nos troncos despidos do roble.





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