Eurico, o Presbítero - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 68 / 186

Apenas, à força de golpes, o cavaleiro negro abriu no meio dos muçulmanos vencedores uma larga clareira, esporeando o ginete, lançou-se para o lado em que os godos desordenados se retraíam ante as espadas do Islame. No espaço intermédio entre os fugitivos e os árabes flutuava sem recuar o pendão do duque de Córdova. Em volta desse pendão tremulavam as signas das tiufadias da Bética, que, cercadas por todos os lados, resistiam ainda ao embate dos sarracenos. No meio, porém, dos que abandonavam vilmente o campo da batalha nem uma única bandeira se hasteava; mas, pelo esplêndido das armas, o guerreiro conheceu aqueles que não ousavam resgatar com a vida a desonra das Espanhas. Eram os soldados escolhidos de Roderico; era a brilhante cavalaria que ele próprio capitaneava! A indignação trasbordou da alma do guerreiro:

— Rei dos Godos, rei dos Godos! — exclamou ele — és covarde! Embora vás esconder a tua ignomínia nos muros de Toletum. Ainda neste campo de batalha restam homens valentes: ainda Teodemiro combate, não por teu trono desonrado, mas pela terra de nossos pais. Foge tu com os que não sabem morrer pela pátria; que nas margens do Chrysus ficam os que hão-de perecer com ela! Maldito o godo e cristão que foge para ser servo!

E o cavaleiro apertou de novo as esporas ao possante murzelo.

Não tardou, porém, que o furor se lhe convertesse em tristeza, e que as lágrimas, rebentando-lhe dos olhos, lhe apagassem a maldição que haviam murmurado os lábios. O seu valente cavalo galgava na carreira por cima de cadáveres e de moribundos, de cristãos e de infiéis, e a terra, convertida em brejo de sangue, apenas soava debaixo dos pés do ligeiro animal. Passando por meio dos esquadrões sarracenos, podia dizer-se que o desconhecido se assemelhava ao anjo do Senhor, quando desce por entre os mundos onde habitam os demónios, solitário e temido no império dos filhos das trevas que o odeiam. A fama das suas façanhas tinha-o cercado duma auréola de terror supersticioso, e, quando passava, os guerreiros do deserto apontavam para ele e em voz sumida diziam uns aos outros:





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