O Retrato de Ricardina - Cap. 3: CAPÍTULO III – REAÇÕES Pág. 14 / 178

- Pessoa conhecida ou desconhecida que bata ao portão, não entra sem que eu esteja em casa, entendes?

- Sim, senhor.

- De noite, dá-me duas voltas em redor da casa e da parede do passai. Se enxergares vulto de que desconfies, segura-o ou atira-lhe, entendes?

- Sim, senhor. Então há novidade de maior, Sr. Abade?!

- Escusas de saber mais nada.

- Perdoará, Sr. Abade... eu perguntava... porque enfim... vossa senhoria cá comigo nunca teve aquelas de segredos.

- Faze o que te digo.

E voltou as costas ao criado com fidalgo orgulho, agastado da liberdade da pergunta.

Norberto, ao soar das ave-marias, estava sentado junto do gradeado de madeira onde Ricardina criava perus, e costumava levar, ao entardecer, urtigas e ovos cozidos. Ia sozinha.

- Queria falar-lhe, fidalga - disse Norberto, espreitando que o não vissem - Eu vou dizer-lhe o que quero pelo outro lado das grades.

Rodeou e sumiu-se entre um loireiral que formava teto de folhagem sobre a capoeira. Ricardina cingiu-se às ripas do gradeado e escutou:

- O Sr. Abade esteve a dizer que a menina havia de ir para um convento pobre, e disse coisas do diabo do Sr. Bernardo Moniz. Se for preciso alguma coisa, o Norberto está aqui. Ele mandou-me agarrar ou atirar, se visse alguém de noite cá por perto das paredes. A fidalga esteja descansada, que eu não lhe faço mal, se for ele. Estou pronto para tudo, menina; mas não me fale diante do paizinho. que senão esbarronda-se o negócio.

- Obrigada, Norberto.

- Não tem de quê...

- Olha...

- Que é, fidalga?

- Fazes-me um favor?

- O que vossa senhoria quiser, se for para bem da fidalga.

- Levas-me uma carta ao correio?

- É para o Sr. Bernardo?

- Sim.

- Ele quer casar com a menina?

- Pois então!

- Pronto! Se ele quer casar com vossa senhoria, e a fidalga quer, quem os faz desistir?! Ele é bom rapaz e rico a valer.





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