O Retrato de Ricardina - Cap. 3: CAPÍTULO III – REAÇÕES Pág. 17 / 178

Às onze, desceu ao jardim e depositou a carta, a ocultas da irmã, debaixo do vaso sobreposto à fonte. Por volta do meio-dia, Norberto recolheu a carta, e foi à hora da sesta pedir a sua mãe que, no dia seguinte, a levasse ao correio de Viseu.

Bernardo Moniz pressagiou desgraça quando reconheceu a letra. Era a primeira carta que ele recebia em Coimbra. Tal ventura nunca ele se arrojara a pedi-la. Sobrava-lhe felicidade, consentindo Ricardina em ler as centenas de páginas que semanalmente apareciam pendentes dos festões do roseiral do mirante. Não queria mais. Nem de tanto, na sua consciência, se reconhecia digno. Leu, releu, quanto as lágrimas lho consentiam. A menina queixava-se da sua sorte; mas não pedia socorro nem atrevimentos de fino amante. Aceitava o convento com preferência a ser esposa de outro. Lastimava o seu amigo como a si própria. Ensinava-lhe a resignação, dando-lhe o exemplo. Queria, porém, que ele não amasse outra, sem ela ter morrido na clausura.

O primeiro pensamento de Bernardo Moniz foi entrar simultaneamente num mosteiro da Arrábida, da Falperra, da serra de Ossa, do Buçaco, de S. Francisco de Viana, num sepulcro bem triste, com a mais pobre das mortalhas. Mas o coração repulsava a morte. A reação da saudade foi tão rija e tão de fogo que os ermos cenobíticos se lhe afiguravam infernos, onde a purificação das almas é hipócrita, quando, ao sair do mundo, o monge não chorou desenganado das suas esperanças. Bernardo, aos 23 anos, ainda não tinha perdido nenhuma.

Cada hora lhe desabotoava do coração rebentos novos a florir e a recender. Não tinha ainda vivido. Era preciso suicidar-se ao tempo que apertasse o cordão de frade como esparto de estrangulação. Não podia. Queria antes morrer debaixo dos olhos dela.





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