O Retrato de Ricardina - Cap. 6: CAPÍTULO VI – AGONIAS Pág. 34 / 178

- Não lhe tenhas medo, ouviste?

- Medo! Eu!... Vossa senhoria então ainda me não conhece!

- Conheço-te, homem; mas vocês por aí catam respeito a estes bigorrilhas... porque são ricos...

- Que me faz cá a mim que sejam ricos!... Eu cá só cato respeito ao meu amo, e tanto monta atirar ao Bernardo como ao Diabo do Inferno que me apareça!

- Vou descansado, Norberto? O Frazão e o Torto já sabem também o que hão de fazer...

- Pode ir com o coração assente e ânimo à larga.

Norberto, assim que viu a fidalga, fez-lhe sinal. Desceu logo ao jardim a sua adorada menina.

- Senhora. - disse ele - , faça favor de avisar o Sr. Bernardo, que não apareça por aqui de noite. Eu não lhe quero mal; até, se puder salvá-lo, salvo-o, pondo o peito diante dele; mas o seu paizinho deu ordens de atirar a matar ao Frazão e ao Torto, que são capazes de acertar numa andorinha com uma bala.

Acudiu a sobressaltada menina:

- Manda-lhe lá tua mãe, sim, Norberto? Pelo amor de Deus!

- Não diga pelo amor de Deus, que não é preciso, fidalga. Basta dizer faz isto, faz aquilo. Eu vou já mandar recado à velha.

Inúteis cautelas! Bernardo Moniz, àquela hora, prostrado no leito, ardia em labaredas de febre, ou escabujava em contorções delirantes nos braços do pai e irmãos. O sangue congestionado nos olhos, quando o abade lhe disparou o último insulto, refluíra-lhe à cabeça ameaçada de desconcerto cerebral. Estrangulado pelo trago da ira, que a imagem de Ricardina lhe fez retrair, abraseou-se-lhe no peito aquele lume que lhe escaldava as artérias e coriscava nos olhos.

À hora da sesta, disse-lhe o irmão que o estava procurando uma velha já conhecida deles. Aquietou-se de súbito o anseio. Sentou-se no leito, e pediu ao seu pai que deixasse entrar aquela mulher.





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