O Retrato de Ricardina - Cap. 6: CAPÍTULO VI – AGONIAS Pág. 35 / 178

O consternado velho retirou-se com os filhos, e viu com afável rosto entrar a velha de quem ele, esperava remédio ao seu Bernardo.

Ouvindo o aviso, enviado da fidalga, o jovem saltou do leito, e escreveu estas quatro linhas: “Queres fugir hoje? Amanhã será tarde, porque me sinto morrer. O teu pai esmagou-me o espírito, mas o coração salvou-se. Queres fugir hoje? Queres sentir as delícias de arrancar da sepultura o teu desgraçado amigo?”

Ao fim da tarde, Norberto entregou a carta a Ricardina, e devolveu pela velha a seguinte resposta: “Jurei a minha mãe que não fugia. O que eu preciso não é salvar-me das dores que me esperam: é morrer; se Deus me levar primeiro do que a ti, chamarei a tua alma. Se fores adiante, não hás de esperar-me muito tempo. A minha mãe tem chorado muito, porque o meu pai veio dizer que tu a insultaste no seu infortúnio. Não acreditei. Pago-te com esta justiça as injustiças que me tens feito. A minha mãe é muito infeliz. Atormentá-la ainda mais com a minha fugida, é-me impossível. Se eu pudesse dar o passo que me pedes, seria preciso que ela já não tivesse luz nos olhos, nem coração para mais esta dor. Sê meu amigo, Bernardo; vive por amor de mim. Olha que me sinto amparada pela tua vida. Se tu morreres, fica-me no mundo somente esta pobrezinha, que talvez acabe mais cedo do que pensa. Adeus. Se souberes onde é o meu convento, escreve-me, e pode ser que eu lá te veja. Adeus, que vem aí minha irmã; e eu já me escondo de todos.”

Influiu santamente no coração de Bernardo a paciência adorável desta carta. Como corrido da sua pusilanimidade, o desesperado cobrou alentos, à medida que relia as expressões confortadoras de Ricardina. De esperança não eram elas; mas sim de exemplar estorço, e valente resistência a porvindouras agonias.





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