1984 - Cap. 13: Capítulo XIII Pág. 159 / 309

Afinal, que importava o inventor dos aeroplanos? Foi choque maior para ele descobrir, por um comentário passageiro, que ela não se lembrava de que, quatro anos atrás, a Oceania estivera em guerra com a Lestásia, e em paz com a Eurásia. Era verdade que considerava a guerra uma farsa; mas aparentemente não notara nem a mudança do nome do inimigo. "Pensei que sempre estivéssemos em guerra com a Eurásia," exclamou, evasivamente. Isso o amedrontou um pouco. A invenção dos aeroplanos sucedera antes de Júlia nascer, mas a reviravolta da guerra ocorrera havia apenas quatro anos, quando já era adulta. Discutiu com ela durante um quarto de hora talvez. No fim, conseguiu forçar-lhe a memória a recordar vagamente que, outrora, o inimigo fora a Lestásia e não a Eurásia. Todavia, isso não lhe parecia significativo.

- Que importa? - indagou, impaciente. - É sempre uma horrível guerra depois da outra, e a gente sabe que o noticiário é todo falso mesmo.

Às vezes ele lhe falava do Departamento de Registro e das impudentes falsificações que lá executava. Essas coisas não pareciam horrorizá-la. Não sentia o abismo abrindo-se aos seus pés, ao pensar nas mentiras que se transformavam em verdades. Ele contou-lhe a história de Jones, Aaronson e Rutherford, e do momentoso papelzinho que um dia tivera entre os dedos. Não a impressionou grandemente. Na verdade, a princípio, ela nem compreendeu a situação.

- Eram teus amigos?

- Não, nunca os conheci. Eram membros do Partido Interno. Além disso, eram muito mais velhos do que eu. Pertenciam ao passado, vinham de antes da Revolução. Eu mal os conhecia de vista.

- Então por que te preocupas? Não vivem matando gente o tempo todo?

Tentou fazê-la compreender.





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