1984 - Cap. 13: Capítulo XIII Pág. 158 / 309

Entretanto tinha ideia muito obscura de quem fosse Goldstein e que doutrinas pregava. Crescera depois da Revolução e era moça demais para se lembrar das batalhas ideológicas de 1950 a 1970. Era coisa que não podia imaginar um movimento político independente: e depois, o Partido era invencível. Sempre existiria, e seria sempre o mesmo. Só era possível rebelar-se contra ele por desobediência secreta ou, no máximo, por atos isolados de violência, como assassinar alguém, dinamitar alguma coisa.

De certo modo era muito mais alerta do que Winston, e muitíssimo menos suscetível à propaganda do Partido. Uma vez, quando ele mencionou a guerra contra a Eurásia, a propósito de qualquer coisa, ela o espantou dizendo, com toda a naturalidade que, na sua opinião, não havia guerra alguma. As bombas-foguetes que caíam diariamente sobre Londres eram provavelmente disparadas pelo governo da própria Oceania, "só para amedrontar a turma." Era uma ideia que jamais ocorrera a Winston. Também provocou -uma espécie de inveja nele contando-lhe que durante os Dois Minutos de ódio tinha grande dificuldade para não estourar em gargalhadas. Porém só punha em dúvida os ensinamentos do Partido quando a interessavam pessoalmente. No mais, estava disposta a aceitar a mitologia oficial, simplesmente porque a diferença entre verdade e mentira não lhe parecia importante. Acreditava, por exemplo, e porque o aprendera na escola, que o Partido inventara o aeroplano. (Quando ele estava na escola, recordava Winston, antes de 1960, o Partido só afirmava ter inventado o helicóptero; doze anos mais tarde, no tempo de Júlia, já reclamava o avião; dali a uma geração com certeza se apossaria da máquina a vapor.) E quando ele disse que os aviões existiam antes de ele nascer, e muito antes da Revolução, o fato pareceu a Júlia totalmente sem interesse.





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