1984 - Cap. 16: Capítulo XVI Pág. 182 / 309

- A que brindaremos, desta vez? - perguntou, ainda com a mesma leve sugestão de ironia. - À confusão da Polícia do Pensamento? À morte do Grande Irmão? À humanidade? Ao futuro?

- Ao passado - arriscou Winston. - O passado é mais importante - concordou O'Brien, gravemente.

Esvaziaram os copos, e dali a um momento Júlia levantou-se. O'Brien tirou uma caixinha do alto de um armário e deu-lhe uma pastilha branca, que recomendou dissolver na boca. Era importante, disse ele, não sair cheirando vinho: os ascensoristas eram muito observadores. Assim que a porta se fechou sobre a moça pareceu esquecer que ela existia. Deu mais uma ou duas passadas e deteve-se.

- Há minúcias a providenciar. Tens um esconderijo qualquer?

Winston explicou que tinha o quarto da loja do Sr. Charrington.

- Bastará, por enquanto. Mais tarde, arranjaremos algo para os dois. É importante mudar de esconderijo frequentemente. Entretanto, vou mandar-te um exemplar do livro... - e Winston reparou que até O'Brien parecia pronunciar aquela palavra como se estivesse em grifo - o livro de Goldstein, compreendes, assim que for possível. Talvez se passem alguns dias antes de eu conseguir um. Não há muitos exemplares, como podes imaginar. A Polícia do Pensamento procura-os e destrói-os quase no mesmo ritmo em que são produzidos. Faz pouca diferença, porém. O livro é indestrutível. Se o último exemplar sumisse, poderíamos reproduzi-lo quase palavra por palavra. Levas uma pasta de couro para o escritório? - indagou.

- Em geral, levo.

- Como é a pasta?

- É preta, muito surrada. Com duas alças.

- Preta, duas alças, muito surrada... bom. Um dia, no futuro próximo - não posso fixar a data - uma das mensagens da tua tarefa matutina conterá um erro de imprensa, e terás que pedir repetição.





Os capítulos deste livro