No dia seguinte, irás à repartição sem a pasta. Nesse dia, na rua, um homem tocará teu braço e dirá "Acho que derrubaste esta pasta." E a que te entregar conterá um exemplar do livro de Goldstein. Deves devolvê-lo dentro de catorze dias. Calaram-se ambos por uns instantes.
- Temos um par de minutos, ainda - disse O'Brien. - Tornaremos a nos encontrar... se nos encontrarmos...
Winston levantou o olhar para ele.
- Onde não há treva? - perguntou, hesitante.
O'Brien fez que sim, sem aparentar surpresa.
- Onde não há treva - repetiu, como se reconhecesse a alusão.
- E agora, queres dizer alguma coisa antes de sair? Dar um recado? Fazer uma pergunta?
Winston raciocinou. Não parecia haver nenhuma outra pergunta a que desejasse resposta; e menos impulso ainda de pronunciar generalidades altissonantes. Em vez de coisas diretamente ligadas a O'Brien ou à Fraternidade, surgiu-lhe na mente uma espécie de figura composta do quarto escuro onde sua mãe passara os últimos dias, o quartinho por cima da loja do Sr. Charrington, o peso de papéis, e a gravura em aço na moldura de pau-rosa. Quase sem querer, perguntou:
- Conheces uma cantiga muito velha que começa Laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente? De novo O'Brien fez que sim com a cabeça. Com uma espécie de grave cortesia, completou a quadra: "Laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente, Me deves três vinténs, dizem os sinos de S. Martinho, Quando me pagarás? dizem os sinos de Old Bailey, Quando eu ficar rico, dizem os sinos de Shoreditch."
- Sabes o último verso! -exclamou Winston. - Sei, sim. E agora, creio que é hora de te retirares. Espera um pouco. É melhor te dar uma destas pastilhas. Quando Winston se levantou, O'Brien estendeu a manopla.