1984 - Cap. 16: Capítulo XVI Pág. 181 / 309

Nada disso existe. Os membros da Fraternidade não têm meio algum de se reconhecer e é impossível a qualquer um conhecer a identidade de mais que outros poucos. O próprio Goldstein, se caísse nas mãos da Polícia do Pensamento, não poderia fornecer uma lista completa dos conspiradores, nem informação que permitisse compilá-la. Não existe essa lista. A Fraternidade não pode ser eliminada porque não é uma organização no sentido comum da palavra. Nada a cimenta, exceto uma ideia, uma ideia indestrutível. Jamais terás nada para te sustentar, exceto, a ideia. Não terás camaradagem nem incentivo. Quando por fim fores apanhado, não terás socorro. Nunca ajudamos nossos militantes. No máximo, quando é absolutamente necessário que alguém silencie, conseguimos às vezes meter uma lâmina de barba na cela do preso. Terás que te acostumar a viver sem resultados e sem esperança. Trabalharás algum tempo, serás preso, confessarás e morrerás. São os únicos resultados que verás. Não há possibilidade de se dar uma mudança percetível durante nossa vida. Nós somos os mortos. Nossa única vida verdadeira está no futuro. Nela tomaremos parte como punhados de pó e esquírolas de ossos. Mas a que distância está esse futuro, não há meio de saber. Pode ser daqui a mil anos. No momento, nada é possível, exceto alargar aos poucos a zona de sanidade mental. Não podemos agir coletivamente. Só podemos expandir nosso conhecimento de indivíduo a indivíduo, geração após geração. Em face da Policia do Pensamento, não há outro modo.

Parou e pela terceira vez olhou para o relógio.

- Já é quase hora de saíres, camarada - disse a Júlia.

- Espera, o frasco ainda está pela metade.

Encheu os copos e ergueu o seu pela haste.





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