1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 253 / 309

O homem de avental branco não se voltou. Nem olhou para Winston; só lhe interessavam os mostradores.

Estava rolando por um enorme corredor, de um quilômetro de extensão, inundado de gloriosa luz dourada, rindo às gargalhadas e gritando confissões a plenos pulmões. Confessava tudo, até mesmo o que conseguira prender durante a tortura. Estava contando toda a história da sua vida a um público que já a conhecia. Com ele estavam os guardas, os outros interrogadores, os homens de avental branco, O'Brien, Júlia, o Sr. Charrington, todos rolando juntos pelo corredor e gargalhando. Uma coisa horrível, que jazera no futuro, passara em branca nuvem e não acontecera. Estava tudo ótimo, não havia mais dor, e o último detalhe da sua vida se desnudou, compreendido, perdoado.

Estava-se levantando da cama de tábua, na meia-certeza de ter ouvido a voz de O'Brien. Durante todo o interrogatório, embora não o pudesse ver, tivera a impressão de ter O'Brien ao lado. Era O'Brien quem tudo dirigia. Mandara os guardas atacarem Winston e os impedira de o matarem. Era quem decidia quando Winston devia gritar de dor, quando devia se aliviar, quando comer, quando dormir, quando levar injeção no braço. Era quem fazia as perguntas e sugeria as respostas. Era o atormentador, o protetor, o inquisidor, o amigo. E uma vez -Winston não podia se lembrar se fora durante o sono natural, ou dopado, ou mesmo num momento de lucidez - uma voz murmurou no seu ouvido: "Não te preocupes, Winston; estás sob minha guarda. Há sete anos que te vigio. Agora chegou o grande momento. Eu te salvarei, eu te farei perfeito." Não estava seguro de que fosse a voz de O'Brien. Mas era a mesma voz que lhe dissera “Tornaremos a nos encontrar onde não há treva, naquele outro sonho, sete anos atrás”.





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