Madame Bovary - Cap. 13: IV Pág. 117 / 382

Tinha o boné enterrado até às sobrancelhas e os seus dois grossos lábios trémulos acrescentavam-lhe ao rosto um ar de estupidez; até as costas, aquelas costas tranquilas, eram irritantes de ver; patente naquela sobrecasaca, via Emma roda a vulgaridade da personagem.

Enquanto o estava observando, sentindo assim, na sua irritação, uma espécie de voluptuosidade depravada, Léon avançou um passo. O frio que o tornava pálido parecia dar-lhe ao rosto uma languidez mais doce; entre a gravata e o pescoço, o colarinho da camisa, um pouco largo, deixava ver-lhe a pele; uma porção da orelha ficava à vista por baixo duma madeixa de cabelos e os seus grandes olhos azuis, erguidos para as nuvens, pareceram a Emma mais límpidos e belos que esses lagos da montanha que reflectem o céu.

- Desgraçado! - exclamou de repente o boticário.

E correu para o filho, que acabava de se atirar para cima de um montão de cal, para pintar os sapatos de branco. Acabrunhado com a reprimenda que lhe deram, Napoléon desatou a gritar, enquanto justin lhe limpava os sapatos com um molho de palha. Mas seria preciso uma navalha; Charles pôs a sua à disposição dele.

«Olhem», pensou ela, «e anda com uma navalha no bolso, como um camponês!»

Mas começou a cair granizo e voltaram para Yonville.

A Sr. Bovary, naquela noite, não foi a casa dos vizinhos e, quando Charles saiu, logo que se sentiu só, recomeçou a comparação com a nitidez duma sensação quase imediata e com aquele prolongamento da perspectiva que a recordação dá aos objectos. Deitada na sua cama, a olhar para o clarão que o fogo fazia, conseguia ainda ver, como lá no vale, Léon de pé, fazendo com uma das mãos dobrar o pingalim e, com a outra,

egurando Athalie, que chupava tranquilamente um pedaço de gelo.





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