Madame Bovary - Cap. 13: IV Pág. 118 / 382

Ela achava-o encantador; não conseguia desprender-se dele; lembrava-se de outras atitudes suas noutras ocasiões, de frases que dissera, do som da sua voz, de toda a sua pessoa; e repetia, avançando os lábios como para o beijar.

- Sim, encantador! encantador!. .. Será que não ama? - perguntou a si mesma. - Mas a quem então? .. Mas é a mim!

Todas as provas se lhe apresentaram simultaneamente ao espírito e sentiu pular-lhe o coração. A chama do fogão fazia tremular no tecto uma claridade alegre; Emma voltou-se de costas e estendeu os braços.

Começaram então as eternas lamentações: «Oh!, se Deus tivesse querido! Por que é que não haveria de ter sido assim? Mas então quem é que impediu?»

Quando Charles, à meia-noite, voltou para casa, Emma fingiu que acordava e, enquanto ele fazia barulho a despir-se, queixou-se de enxaqueca; depois perguntou indolentemente que tal fora o serão.

- O Sr. Léon - respondeu ele - foi-se deitar cedo.

Ela não pôde evitar de sorrir e adormeceu com a alma cheia de um novo encantamento.

No dia seguinte, ao cair da noite, recebeu a visita do Sr. Lheureux, negociante de novidades. Era um homem esperto, aquele lojista.

Gascão de origem, mas tendo-se já tornado normando, combinava a sua facúndia meridional com a astúcia dos naturais de Caux. A sua fisionomia gorducha, mole e sem barba, parecia untada com uma decocção de alcaçuz claro e a cabeleira branca tornava mais vivo ainda o brilho rude dos olhos piscos e negros. Ignorava-se o que teria sido antes: vendedor ambulante, diziam uns, bancário em Routot, segundo outros. O certo é que fazia de cabeça complicadíssimos cálculos que causavam assombro ao próprio Binet. Polido até ao exagero, mantinha sempre uma posição meio curvada, na atitude de quem cumprimenta ou faz um convite.





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