Madame Bovary - Cap. 16: VIII Pág. 157 / 382

O seu trajo tinha a incoerência das coisas comuns e rebuscadas, onde a pessoa vulgar crê geralmente entrever a revelação duma existência excêntrica, as desordens do sentimento, as tiranias da arte e sempre um certo desprezo pelas convenções sociais, o que a seduz ou exaspera. Assim, a camisa de cambraia com punhos pregueados tufava-se com o vento, na abertura do colete, que era de cotim cinzento, e as calças de risca larga descobriam-lhe nos tornozelos os botins de duraque gaspeadosde cabedal envernizado. Brilhavam tanto que até reflectiam a erva. E pisava com eles o estrume dos cavalos, com uma mão enfiada no bolso do casaco e o chapéu de palha posto de banda.

- Aliás - acrescentou ele -, quando se vive no campo...

- Todos os cuidados com o vestir são tempo perdido - atalhou Emma.

- É verdade! - replicou Rodolphe. - Basta pensar que nem uma só destas pobres criaturas é capaz de compreender sequer o que seja um fato bem talhado!

Falaram então da mediocridade provinciana, das existências que ela sufocava e das ilusões que nela se desfaziam.

- É por isso - dizia Rodolphe - que me deixo afundar numa tristeza...

- O senhor! - exclamou ela com espanto. - Mas eu julguei que fosse muito alegre?!

- Ah, sim, aparentemente, porque na presença das pessoas sei afivelar uma máscara de brincalhão; e, no entanto, quantas vezes, à vista dum cemitério, à luz da lua, não tenho perguntado a mim mesmo se não seria melhor ir-me juntar àqueles que estão a dormir...

- Ora! E os seus amigos? - disse ela. - Não pensa neles?

- Meus amigos? Quais amigos? Tenho porventura alguns? Alguém que se preocupe comigo?

E acentuou estas últimas palavras com uma espécie de sibilar dos lábios. Mas foram obrigados a afastar-se um do outro, por causa duma enorme pilha de cadeiras que um homem transportava atrás deles.





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