Madame Bovary - Cap. 16: VIII Pág. 166 / 382

De facto, os vaqueiros e os pastores tinham levado até ali os seus animais, que de vez em quando berravam, enquanto iam arrancando com a língua algum resto de folhagem que lhes pendesse do focinho.

Rodolphe aproximara-se mais de Emma e dizia-lhe em voz baixa, falando rapidamente:

- Não se sente revoltada contra esta conjuração da sociedade? Existirá um único sentimento que ela não condene? Os instintos mais nobres, as simpatias mais puras, são perseguidos, caluniados, e, se, afinal, duas pobres almas se encontram, tudo está organizado de maneira que não se possam juntar. Tentarão, apesar de tudo, agitarão as asas e charnar-se-âo uma à outra. Seja como for, mais cedo ou mais tarde, ao cabo de seis meses, ou de dez anos, reunir-se-ão, arnar-se-âo, porque a fatalidade o exige e nasceram uma para a outra.

Mantinha-se de braços cruzados sobre os joelhos e, erguendo o rosto para Emma, olhava-a de perto, fixamente. Ela distinguia-lhe nos olhos pequenos raios dourados em torno das pupilas negras e sentia até o perfume da pomada que lhe fazia brilhar a cabeleira. Então apoderou-se dela uma espécie de languidez, lembrou-se do Visconde, com quem valsara em Vaubyessard e cuja barba exalava, como aqueles cabelos, o mesmo perfume de baunilha e limão, e, maquinalmente, semicerrou as pálpebras para melhor o aspirar. Mas, com o gesto que fez ao endireitar-se na cadeira, avistou de longe, mesmo no horizonte, a velha diligência Andorinha, que descia vagarosamente a encosta de Leux, arrastando atrás de si uma comprida nuvem de pó. Naquele veículo amarelo voltara Léon, tantas vezes, para ela; e por aquela mesma estrada tinha ele partido para sempre! Imaginou vê-lo à janela, na sua frente; depois tudo se confundiu, passaram nuvens; pareceu-lhe rodopiar ainda na valsa, à luz dos lustres, nos braços do Visconde, e que Léon não estava longe, que voltaria.





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