Madame Bovary - Cap. 18: X Pág. 190 / 382

Era debaixo do caramanchão, sobre aquele mesmo banco de troncos velhos onde antes Léon a contemplara tão amorosamente durante as noites de Verão. Agora já nem pensava nele.

As estrelas brilhavam por entre os ramos dos jasmineiros sem folhas.

Ouviam, por trás, o rio a correr e, de quando em quando, na margem, o estalar dos juncos secos. Aqui e além, na escuridão, avolumavam-se maciços de sombra, que, por vezes, estremecendo todos num único movimento, se erguiam e inclinavam como imensas vagas negras que avançassem para os envolver. O frio da noite fazia-os estreitarem-se mais; os suspiros que se lhes soltavam dos lábios pareciam-lhes mais intensos; os olhos, que ambos mal podiam ver, pareciam-lhes maiores e, no meio do silêncio, havia palavras ditas em sussurro que lhes caíam na alma com uma sonoridade cristalina e ali se repercutiam em vibrações múltiplas.

Quando a noite estava chuvosa, iam refugiar-se no gabinete das consultas, entre o telheiro e a cavalariça. Ela acendia um dos castiçais da cozinha, que escondera atrás dos livros. Rodolphe instalava-se ali como em sua casa. A vista dos livros e da secretária, de todo o aposento, enfim, excitava-lhe o humor; e não se continha sem dizer, a propósito de Charles, uma série de gracejos que embaraçavam Emma. Esta preferiria vê-lo mais sério e, ocasionalmente, mesmo mais dramático, como daquela vez em que lhe parecera ter ouvido um rumor de passos que se aproximavam.

- Vem gente! - disse Emma. Ele assoprou a vela.

- Tens a tua pistola?

- Para quê?

- Mas... para te defenderes - replicou ela.

- De quem? Do teu marido? Oh, desgraçado dele!

E rematou a frase com um gesto que significava «Esmagava-o com um piparote.»

Emma ficou surpreendida com tanta bravura, apesar de ter notado nele um género de indelicadeza e de grosseria ingénua que a escandalizou.





Os capítulos deste livro