Madame Bovary - Cap. 21: XIII Pág. 227 / 382

- Aqui está isto que o meu patrão lhe manda - disse o moço. Emma sentiu-se imediatamente apreensiva e, ao mesmo tempo que procurava qualquer moeda no bolso, fitava o camponês com olhos desvairados, enquanto este, por sua VEZ, a olhava espantado, não compreendendo como um presente tão simples pudesse comover alguém daquele modo. Finalmente, o rapaz saiu. Félicité ficou. Emma não aguentava mais; correu para a sala como se lá fosse colocar os damascos, despejou o cesto, arrancou as folhas, achou a carta, abriu-a e, como se atrás dela houvesse um terrível incêndio, desatou a fugir para o quarto, aterrorizada.

Charles estava lá, ela viu-o; ele falou-lhe, ela não ouviu nada e continuou a subir rapidamente os degraus, ofegante, desvairada, entontecida, segurando sempre aquela horrível folha de papel, que lhe estalava entre os dedos como um bocado de lata. No segundo andar parou diante da porta do sótão, que estava fechada.

Então quis acalmar-se; lembrou-se da carta; tinha de acabar de a ler, mas não conseguia. Além disso, onde?, como? Os outros vê-Ia-iam. «Ah! Não, aqui estarei bem», pensou.

Empurrou a porta e entrou.

O telhado de ardósia deixava cair a prumo um calor pesado que lhe apertava as fontes e a sufocava; arrastou-se até à trapeira fechada, correu. -lhe o ferrolho e a luz jorrou deslumbrante no mesmo momento.

Em frente, para além dos telhados, estendia-se a planície até se perder de vista. Em baixo, a praça da vila estava deserta; as pedras de ladrilho cintilavam, os cata-ventos das casas mantinham-se imóveis; à esquina da rua, saia de um andar inferior uma espécie de ronco com modulações estridentes. Era Binet a tornear.

Emma encostara-se ao peitoril da água-furtada e relia a carta com risadas de cólera.





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