Madame Bovary - Cap. 22: XIV Pág. 240 / 382

Além da companhia da sogra, que de certo modo a fortalecia um pouco nos princípios, com o seu juízo recto e as suas maneiras graves, Emma tinha ainda, quase todos os dias, outras visitas. Eram a Sr. Langlois, a Sr." Caron, a Sr. Dubreuil, a Sr. Tuvache e, regularmente, das duas às cinco horas, a excelente Sr. Homais, que, essa, nunca quisera dar ouvidos a nenhum dos mexericos que se diziam a respeito da vizinha. Os pequenos Homais também a visitavam; Justin vinha com eles. Subia com eles até ao quarto e ficava de pé, junto da porta, imóvel, sem dizer nada. Muitas vezes até a Sr." Bovary, sem reparar, chegava-se ao toucador. Começava por retirar a travessa, sacudindo a cabeça com um movimento brusco; e, quando Justin viu pela primeira vez toda aquela cabeleira descendo até às curvas das pernas, desenrolandoos seus anéis escuros, foi para o pobre rapaz como que uma iniciação em qualquer coisa extraordinária e nova cujo esplendor o assustou.

Emma, naturalmente, não notava as suas silenciosas solicitudes nem a sua timidez. Não suspeitava que o amor, que desaparecera da sua vida, palpitava ali, junto dela, sob aquela camisa grosseira, naquele coração de adolescente, aberto às emanações da sua beleza. De resto, ela envolvia agora tudo numa tal indiferença, tinha palavras tão afectuosas e olhares tão altivos, maneiras tão desconcertantes, que não se lhe distinguia já o egoísmo da caridade, nem a corrupção da virtude. Uma noite, por exemplo, zangou-se com a criada, que lhe pedia autorização para sair e balbuciava, procurando um pretexto; e, inesperadamente, disparou:

- Então gostas dele?

E, sem esperar resposta de Félicité, que corava, acrescentou com um ar triste:

- Vai lá; corre! Diverte-te!

No começo da Primavera mandou revolver o jardim duma ponta à outra, apesar das objecções de Bovary; ele, no entanto, ficou contente por vê-la finalmente manifestar uma vontade qualquer.





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