Madame Bovary - Cap. 24: TERCEIRA PARTE – I Pág. 259 / 382

Pareceu retirar-se daqueles olhos azuis toda a carga de pensamentos tristes que os ensombrava; todo o rosto resplandecia.

Ele ficou à espera. Por fim ela respondeu:

- Sempre me tinha querido parecer...

Então relembraram os pequenos acontecimentos daquela existência longínqua, cujos prazeres e melancolias acabavam de ser resumidos numa

só palavra. Ele recordava o berço de clematite, os vestidos que ela usara, os móveis do seu quarto, tudo na casa dela.

- E os nossos pobres cactos, onde estão?

- O frio matou-os este Inverno.

- Sabe que pensei muitas vezes neles? Imaginava-os como antes, quando, nas manhãs de Verão, o sol batia nas gelosias... e eu avistava os seus dois braços nus passando pelo meio das flores.

- Pobre amigo! - disse ela, estendendo-lhe a mão.

Léon logo lhe encostou rapidamente os lábios. Depois, no fim de suspiros, disse:

- A senhora era para mim, naquele tempo, não sei que espécie de força irresistível que me cativava a vida. Uma vez, por exemplo, fui a sua casa; mas não se lembra disso, com certeza.

- Lembro, sim. Continue.

- Estava em baixo, na antecâmara, pronta para sair, já no último degrau; tinha até um chapéu com florzinhas azuis; e, sem nenhum convite seu, involuntariamente, acompanhei-a. Entretanto, de minuto a minuto, tomava cada vez maior consciência da tolice e continuava a caminhar ao seu lado, não ousando completamente segui-la, e não querendo deixá-la. Quando entrava numa loja, eu ficava na rua e, através da vitrina, via-a tirar as luvas e contar o dinheiro em cima do balcão. Depois bateu à porta da Sr. Tuvache, abriram-lha e eu fiquei como um idiota diante da porta grande e pesada que se fechara atrás de si.

Emma, escutando-o, admirava-se de ser tão velha; todas aquelas coisas que ressurgiam pareciam dilatar-lhe a existência; eram como que imensidades sentimentais a que ela se reportava; e dizia, de vez em quando, em voz baixa e com as pálpebras semicerradas:

- Sim, é verdade!.





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