Madame Bovary - Cap. 24: TERCEIRA PARTE – I Pág. 265 / 382

Parecia-lhe que ele se comportava de maneira monstruosa, que de algum modo o espoliava e quase cometia um sacrilégio.

Subitamente, um roçagar de seda sobre as lajes, a aba de um chapéu, uma camalha preta... Era ela! Léon ergeu-se e correu ao seu encontro.

Emma estava pálida. Caminhava rapidamente.

- Leia! - disse ela, estendendo-lhe um papel. - Oh, não!

E retirou a mão bruscamente, para entrar na capela da Virgem, onde. ajoelhando-se encostada à cadeira, se pôs a rezar.

O rapaz ficou irritado com aquela fantasia beata; depois sentiu, apesar disso, um certo encanto de a ver, no meio do encontro, assim perdida nas suas orações, como uma marquesa andaluza; por fim acabou por se aborrecer, porque ela não terminava aquilo.

Emma rezava, ou, melhor, esforçava-se por rezar, esperando que lhe descesse do Céu alguma solução súbita; e, para atrair o socorro divino, enchia os olhos com o esplendor do sacrário, aspirava o perfume das açucenas brancas que desabrochavam em grandes vasos e atendia ao silêncio da igreja, que apenas lhe fazia crescer o tumulto do coração.

Ela levantava-se e iam os dois partir, quando o suíço se aproximou rapidamente, dizendo:

- A senhora naturalmente não é daqui? A senhora deseja ver as curiosidades da igreja?

- Não, não! - exclamou o escriturário.

- E porque não? - retorquiu ela.

Pois agarrava-se, com a sua vacilante virtude, à Virgem, às esculturas, aos túmulos, a todas as oportunidades.

Então, para proceder por ordem, o suíço levou-os primeiro à entrada próxima da praça, onde, mostrando-lhes com o bastão um grande círculo de pedras pretas no chão, sem inscrições nem burilamentos:

- Aqui têm - disse majestosamente - a circunferência do belosino de Amboise. Pesava quarenta mil libras.





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