Madame Bovary - Cap. 28: V Pág. 292 / 382

Contavam um ao outro os dissabores da semana, os pressentimentos, as inquietações por causa das cartas; mas naquela altura esquecia-se tudo e fitavam-se face a face, com risadas voluptuosas e palavrinhas de ternura.

A cama era um enorme leito de mogno, em forma de barquinha. As cortinas de levantina vermelha, que desciam do tecto, eram apanhadas muito em baixo, do lado da cabeceira côncava - e não havia no mundo nada tão belo como a sua cabeça escura e a pele branca destacando-se sobre aquela cor purpúrea, quando, por um gesto de pudor, ela fechava os braços nus, escondendo o rosto nas mãos.

O aconchegado aposento, com o seu tapete discreto, os ornamentos alegres e a iluminação suave, parecia ser o mais próprio para as intimidades da paixão. Os varões metálicos terminados em flecha, as pateras de cobre e as grandes esferas do fogão reluziam repentinamente quando lhes batia o sol. Havia sobre a chaminé, entre os castiçais, duas enormes Conchas cor-de-rosa, por onde se ouvia o barulho do mar quando encostada ao ouvido.

Como gostavam daquele belo quarto cheio de alegria, apesar do seu esplendor um tanto murcho! Achavam sempre os móveis no seu lugar e, as vezes, os ganchos de cabelo que ela esquecera, na quinta-feira anterior debaixo do pedestal do relógio. Almoçavam ao pé do fogão, sobre uma mezinha com embutidos de pau-santo. Emma cortava a carne e punha-lhe os bocadinhos no prato, fazendo-lhe toda a espécie de pieguices; e riaa com um riso sonoro e libertino quando a espuma do champanhe transbordava da taça para os anéis que lhe enfeitavam os dedos. Estavam ambos tão completamente perdidos, na posse um do outro, que se julgavam já na sua casa particular, onde deveriam viver até à morte, como dois noivos e constante lua-de-mel.





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